quinta-feira, 1 de novembro de 2012

EVANGELIZAÇÃO DE GRUPOS SINCRETISTAS


Compreendendo as diferentes fontes religiosas para uma comunicação eficaz

É comum a classificação dos povos e países do mundo em blocos religiosos bem específicos em termos de mega-religiões. Assim, classifica-se os povos em cristãos, islâmicos, budistas, hinduístas, animistas e o restante como pertencentes a outras religiões ou religiões minoritárias. Entretanto, muitos ainda não se deram conta de que, possivelmente a maioria dos povos ainda carentes de ação missionária, apesar de professarem uma destas mega-religiões, possuem uma religiosidade sincretista. Especialmente em povos de cultura menos tradicional, mais aberta a novas formas de resolver problemas e ao intercâmbio lingüístico, aberta a novas expectativas e meios de subsistência, há uma maior abertura também na religiosidade, facilitando assim a mistura religiosa.
O catolicismo popular brasileiro é fortemente influenciado pelo espiritismo, enquanto o animismo de muitos grupos indígenas é influenciado pelo catolicismo e em alguns casos também pelo candomblé. Isto não acontece apenas no Brasil e por isto um missionário que vai trabalhar com muçulmanos precisa estar ciente de que, em algumas regiões a religiosidade islâmica é mesclada com xamanismo, enquanto em outras regiões recebe influência animista. Da mesma forma, quem vai trabalhar com budistas deve estar ciente que em algumas regiões encontrará um sincretismo budista-xintoísta, enquanto em outras a realidade poderá ser um sincretismo budista-confucionista e assim por diante. 
Em contextos assim, não basta ter um bom conhecimento da religião dominante. É preciso fazer uma leitura acurada das diferentes camadas religiosas, detectando os princípios religiosos ativos que influenciam o dia-a-dia do povo. Entre o dogma e a praxe, muitas vezes há uma grande separação. O dogma parte de uma elite pensante, que via de regra pertence à religião oficial ou predominante. Mas a praxe é o que o povo vive, a religiosidade viva, ativa, e que geralmente flui da religião popular. O dogma dá respostas a perguntas, mas a praxe dá soluções aos problemas. No catolicismo popular brasileiro, o dogma diz que Deus é bom e protege aqueles que o buscam, mas a praxe diz que uma ferradura de sete furos protege a casa do mal. No nível do dogma, fazer um sinal-da-cruz em frente ao cemitério é interceder pelas almas dos mortos, mas na praxe é proteger-se contra “assombrações”!
Não basta ter conhecimento dos dogmas, é preciso compreender a praxe também. A falta desta compreensão favorecerá o surgimento de igrejas sincretistas, pois o evangelho pode entrar apenas como mais um princípio religioso.

O QUE É SINCRETISMO?
O termo sincretismo foi usado inicialmente por Plutarco, no século 1, para designar a união das cidades cretenses contra inimigos comuns (no grego syn, “união” + cretismo, “cretenses”). Somente no século 16 a expressão passou a ser relacionada à mistura religiosa. 
Scott Moreau, professor de religiões populares no Wheaton College, define sincretismo como uma substituição ou diluição de elementos essenciais do evangelho. Seguindo o seu raciocínio, o conceito pode ser ampliado para substituição ou diluição de elementos essenciais de uma certa religião. Já David Hesselgrave entende sincretismo como uma modificação e adaptação de crenças e práticas de sistemas opostos (ou diferentes) resultando em um novo sistema. Neste caso o termo fica bem restrito, pois nem sempre surge um novo sistema. 
Para fins de convenção, o termo sincretismo será empregado neste texto de forma mais genérica, sendo conceituado como a mistura de princípios religiosos diferentes ou opostos, com a aceitação de todos como verdadeiros, em maior ou menor escala, independente desta mistura se dar em nível de influência apenas ou de uma fusão. Desta perspectiva, é possível perceber sincretismo desde o macro das mega-religiões até as suas microdivisões, como no contexto cristão evangélico. Fica claro também que sincretismo não é uma religião, mas sim uma mistura religiosa, da mesma forma que miscigenação é uma mistura racial.
Apesar do uso do termo neste sentido ser relativamente recente, a prática em si é muito antiga. Já no Antigo Testamento encontramos vários exemplos, como o caso dos povos que ocuparam Samaria, em 2 Reis 17.27-33. Cada povo levou para lá seu respectivo deus. Um sacerdote israelita foi enviado para ensiná-los a “servir o deus da terra” e o resultado foi uma religiosidade altamente sincrética. “Adoravam ao Senhor, mas também prestavam culto aos seus próprios deuses, conforme os costumes das nações de onde haviam sido trazidos” (v.33).
No Novo Testamento temos o exemplo clássico do gnosticismo, combatido por vários autores bíblicos, que era um sistema religioso dualista, incorporando elementos dos mistérios orientais, do judaísmo, do cristianismo e dos conceitos filosófico-religiosos dos gregos.

NÍVEIS DE SINCRETISMO
O sincretismo se dá com o contato de dois ou mais sistemas religiosos, podendo acontecer em vários níveis ou graus. Os quatro níveis a seguir destacados, são apenas os principais.

1.      Em um primeiro nível, a antiga religião é preservada, mas absorve influências de uma nova religiosidade. Este é o caso, por exemplo, dos Krenak do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Avessos a tudo que vem da sociedade externa, resistiram ferrenhamente ao processo de catequese desenvolvido pelos capuchinhos desde o século 17, bem como, à influência católica da sociedade envolvente ao longo dos anos. 
Em conversas sobre a sua religiosidade, eles são enfáticos em afirmar: “não somos católicos nem protestantes”. Entretanto, é fácil perceber alguns traços do catolicismo na religiosidade Krenak. 
Na dimensão do divino, os Krenak possuem três categorias principais de poderes espirituais: Maréts – significa literalmente “velhos” e trata-se de seres espirituais que habitavam o céu (taru), os grandes ordenadores dos fenômenos da natureza e protetores os índios (burúm); Nanitiongs (ou Nandyóns) – espíritos encantados dos mortos, dignos de veneração; e os Tokóns – espíritos da natureza, mas que também podem manter contato com os xamãs.
Logo, a despeito da influência católica durante séculos, os Krenak mantiveram suas categorias de poderes espirituais, além de lugares sagrados e rituais. Porém, incorporaram categorias católicas ao seu universo espiritual, como santos, a Virgem Maria e a própria pessoa de Cristo. O Ser Supremo dos Krenak é o mesmo Deus dos cristãos que, apesar de ausente no dia-a-dia, foi incorporado no universo religioso indígena. 

2.      Em um segundo nível, e possivelmente o mais comum, a nova religião é aceita, mas interpretada pela ótica da antiga religiosidade. Este é o caso dos Caxixó do centro-oeste mineiro. Subjugados pelos colonizadores no século 18, tornaram-se jagunços e posteriormente agregados de fazendas. Proibidos de falar a língua e praticar seus rituais, aos poucos se tornaram católicos, mas interpretam o catolicismo de forma bem peculiar.
Eles usam a Bíblia, celebram missas no vilarejo e participam das programações católicas no povoado mais próximo. Entretanto, preservaram em grande parte a sua cosmovisão animista, praticando ainda antigos rituais de cura e invocação de espíritos. Na dimensão do divino, buscam proteção em Jacy, entidade herdada dos “Carijó”, que a identificava com a lua. Temem a Angüera, também herdada dos Carijó, descrita como um ser medonho, de rabo e língua branca. Crêem ainda nos Caboclos D’Água, seres que vivem nas águas do Rio Pará. 
Assim, ao contrário dos Krenak que incorporaram categorias católicas ao seu universo religioso, os Caxixó se tornaram católicos, mas incorporaram no catolicismo categorias da sua antiga religiosidade. 

3.      Em um terceiro nível, a nova religião é aceita, porém a antiga é preservada sem que haja uma fusão. Hesselgrave prefere classificar este caso como “multi-religião”, citando como exemplo os casos do Japão e da China. Para ele, no Japão são praticados o xintoísmo e budismo, com influências do confucionismo e taoísmo. Já na China, essas mesmas religiões se manifestam em áreas específicas da vida. O confucionismo em aspectos intelectuais e éticos; o budismo na filosofia e arte; o taoísmo em aspectos místicos e idealistas.
Apesar de não se fundirem, é inevitável a influência recíproca dessas religiões, portanto, pode-se considerar este fenômeno como sincretismo.

4.      Em um quarto nível, a antiga religião se funde com a(s) nova(s) religiosidade(s), formando um novo sistema religioso. Um caso típico seria os Xacriabá do norte de Minas. Contatados pelos colonizadores ainda no século 17, passaram por um intenso processo de miscigenação com negros, escravos e retirantes baianos. Foram também catequizados pelos capuchinhos e o resultado foi à fusão da sua antiga religiosidade com o candomblé afro-brasileiro e com o catolicismo de tal forma que surgiu um novo sistema religioso. 
A principal entidade Xacriabá é a onça-cabocla Yayá, protetora e orientadora do povo. A segunda é São João dos Índios, que se trata de uma imagem católica esculpida por um indígena e atribuída a São João. Entretanto, o conceito Xacriabá daquela imagem tem pouco a ver com o São João católico, e sim com uma entidade espiritual que protege o povo. O lugar mais sagrado é o terreiro, onde praticam seus rituais. Para entrar ali, os participantes devem estar vestidos de branco e descalços, aos moldes de muitos rituais afro-brasileiros. 
Este caso revela não apenas a influência de uma religião sobre outra, mas a fusão de princípios religiosos ativos diferentes, resultando num terceiro ou quarto elemento. 

CAUSAS DO SINCRETISMO
Em última análise, o sincretismo é fruto do vazio espiritual, do sentimento de que algo está incompleto, ainda por vir. Mas em termos histórico-culturais, pode surgir por várias causas, das quais serão apontadas aqui apenas as principais.

1.      Imposição – Em processos de conquista e dominação política, é historicamente comum a imposição da religião dos dominadores como parte do processo de subjugação. Assim aconteceu na época das conquista de Alexandre, o Grande, quando a religiosidade e mitologia grega foram amplamente difundidas. E o mesmo aconteceu no período das grandes expansões européias, quando a religião dos Estados andava de mãos dadas com os colonizadores. 
Sempre que uma religião é imposta, o povo a assimila superficialmente, no nível das formas, mas no nível dos significados a sua antiga religiosidade permanece viva. A maioria dos indígenas brasileiros passou por este processo de cristianização através da ação dos capuchinhos, jesuítas e salesianos. Tentando livrar os indígenas do genocídio promovido pelo governo e militares, esses religiosos faziam aldeamentos, onde reuniam várias tribos num processo unificado de catequese. Proibiam a prática da religião tradicional e impunham o catolicismo, ao mesmo tempo que proibiam o uso da língua materna e impunham o português. O resultado foi um sincretismo religioso que até hoje influencia não apenas o catolicismo, mas também o evangelicalismo popular. 

2.      Intercâmbio religioso – Alguns sistemas religiosos são resistentes ao sincretismo, enquanto outros são mais abertos. Especialmente neste segundo caso, o simples contato com outras práticas religiosas já é suficiente para causar misturas de princípios ativos. As sociedades de cultura menos tradicional estão mais abertas a absorver o que consideram de melhor nas outras religiões. É o caso dos seguimentos religiosos considerados esotéricos. 
Em tempos de globalização, quando o pluralismo e relativismo pós-moderno imperam, cresce a tendência à subjetividade religiosa, onde cada um pratica o que acha melhor. Mas este intercâmbio não é privilégio da pós-modernidade, pois os romanos já praticavam o intercâmbio de deuses, inclusive com povos por eles subjugados. Este também era o principal problema dos Israelitas nos tempos do Antigo Testamento, que com uma facilidade incrível se envolviam na adoração de deuses dos povos vizinhos. 

3.      Falhas na comunicação – Pensando mais especificamente no trabalho missionário, as falhas na comunicação podem ser apontadas como as principais causas de sincretismo. A falta de compreensão da cultura e religião local por parte do missionário, resulta numa comunicação truncada do evangelho. A exportação de formas culturais ao invés de princípios bíblicos resulta num evangelho irrelevante para o povo. E uma igreja que surge em situações assim, está apenas a um passo do sincretismo. 
Outra questão crítica é a contextualização. Há um longo debate acerca de sincretismo e contextualização, como sendo coisas muito próximas. O missiólogo neozelandês John Roxborogh faz um interessante questionamento: “se contextualização é apenas um bom sincretismo, então sincretismo é apenas uma contextualização ruim?”. E Paul Hiebert faz uma excelente exposição sobre essa questão quanto discorre sobre formas de lidar com o “velho” (tradições, costumes, religião). Para Hiebert, quando o “velho” é simplesmente negado, a contextualização é rejeitada. Isto gera um vácuo cultural que acaba sendo preenchido pela cultura do missionário, resultando em igrejas culturalmente alienadas, imaturas na fé e sincretistas em potencial. Quando o “velho” é simplesmente aceito, acontece uma contextualização acrítica, e isto resulta em sincretismo no grau mais complexo possível. 

LIDANDO COM POVOS SINCRETISTAS
Como evangelizar um povo sincretista, sem que o evangelho se torne apenas mais um elemento religioso? Ou como evitar que o evangelho seja reinterpretado a partir da antiga religiosidade? Não existe resposta simples e não se pode fechar a questão. Em última análise, sem sabedoria do alto e discernimento de Deus é vã qualquer tentativa, mas algumas medidas podem contribuir para o desafio em pauta.

1.      Análise fenomenológica – Os estudos de fenomenologia da religião aplicados ao trabalho missionário são relativamente novos no Brasil e por isto ainda não muito evidenciados. No processo de análise de qualquer povo, focaliza-se atenção em três áreas principais: língua, cultura e religião. Na prática são áreas inseparáveis, mas o pesquisador as distingue para fins de análise apenas. Precisa-se então de métodos científicos que sirvam de ferramentas adequadas para a análise. Assim, para o estudo da língua lança-se mão da linguística antropológica; para estudo da cultura, faze-se uso da antropologia cultural; e a ciência adequada para o estudo da religião, seria a fenomenologia da religião. Logo, a fenomenologia é para a religião, o que a linguística é para a língua e a antropologia para a cultura. 
Infelizmente, por falta de ênfase no estudo fenomenológico, via de regra tem-se lançado mão da antropologia cultural para o estudo da religião, o que tem dado bons resultados, mas poderiam ser melhores ainda se os recursos da fenomenologia fossem mais explorados.
Com a análise fenomenológica, podem-se levantar de forma bem mais segura as diferentes fontes religiosas presentes na religiosidade local. O que aparece são apenas formas, mas a análise não pode se limitar apenas a elas. É preciso descer ao nível dos significados e descobrir também qual a função social de cada fenômeno religioso. É simplismo concluir que os Xacriabá são católicos pelo simples fato de adorarem a imagem “católica” de São João dos Índios. A análise fenomenológica revelará o que aquela imagem realmente significa para eles. 
Compreender quais são as várias camadas da religião de um povo é de fundamental importância para uma comunicação relevante do evangelho.

2.      Teologias de respostas – Esta questão está diretamente ligada ao ponto anterior e foi levantada pela missióloga norte-americana, que por décadas trabalhou no Brasil, Frances Popovich. Para ela, uma abordagem missionária relevante precisa apresentar respostas bíblicas à cultura do povo. Com isto, ela não está sugerindo que os povos não alcançados vivam na dúvida, cheios de perguntas sem respostas. 
“Perguntas” são os aspectos específicos da cultura que precisam ser bem trabalhados para evitar o sincretismo, enquanto “respostas” são as elaborações bíblico-teológicas que irão de encontro a estas questões culturais específicas. A fenomenologia acha as “perguntas” e a teologia bíblica dá as “respostas”.
Paul Hiebert também aborda esta questão ao discorrer sobre contextualização. A sua proposta é exatamente a elaboração de respostas bíblicas para questões específicas, o que ele chama de “contextualização crítica”. O missionário deve incentivar os convertidos a fazerem uma análise crítica das suas antigas práticas, expor princípios bíblicos que tratem da questão e deixar a própria igreja achar as soluções. 
Para ele, “os novos cristãos podem voltar-se para as religiões populares tradicionais se não lhes forem oferecidas respostas cristãs para os seus problemas diários”. Por exemplo, a igreja que nasce em uma cultura que cultua ancestrais, precisará de uma teologia bíblica sobre espíritos bem específica. Do contrário, os cristãos continuarão cultuando ancestrais, inclusive achando “bases bíblicas” para isto. Ou seja, se a teologia bíblica não der as respostas, a cultura e religião darão, e aí acontecerá o sincretismo.
Vale mencionar que, o principal problema encontrado hoje nesta área é em igrejas já plantadas, que na sua segunda ou terceira geração apresenta traços sincréticos. Nestes casos, a proposta missiológica tem sido exatamente o ensino bíblico com viabilização teológica da liderança local, a partir do desenvolvimento de teologias específicas.

3.      Princípio do rompimento – Este princípio é uma sugestão de Alan Tippet e certamente é de grande aplicabilidade em contextos sincretistas. Segundo ele, em grupos assim, faz-se necessário um ato de rompimento com a antiga religiosidade, ou “ritual de separação”, que sirva como recordação de que aquelas antigas crenças e práticas ficaram para traz. É o que aconteceu em Atos 19.19, com alguns convertidos de Éfeso: “Grande número dos que tinham praticado ocultismo reuniram seus livros e os queimaram publicamente”.
Alguns cuidados precisam ser tomados para evitar extremismos. É preciso cuidar para que o rompimento não se torne uma alienação cultural. O convertido não deve romper com toda a sua cultura, muito menos com o seu povo, mas sim com as antigas práticas religiosas contrárias a princípios bíblicos. Outro cuidado a ser tomado é que este rompimento não deve ser imposto ou mesmo proposto pelo missionário. Deve acontecer por iniciativa dos próprios convertidos. O importante é que haja um marco que lembre a mudança de vida. O batismo, por exemplo, pode ser um momento ideal para a prática deste princípio.
Portanto, frente à desafiadora realidade sincretista que permeia tantas religiões, o missionário deve estar sempre atento a esta questão. As possibilidades de surgimento de igrejas sincretistas são grandes e por isto medidas devem ser tomadas para evitar tal fenômeno. Pesquisas mais abrangentes sobre sincretismo seriam de grande contribuição para o crescente contingente missionário. Temas como este, deveriam estar presentes em todos os currículos de formação missionária, especialmente vinculados aos estudos da fenomenologia da religião.

Em Cristo
Pr. Capelão Miss. Edmundo Mendes Silva

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Igreja Perseguida na Atualidade


Nos últimos anos nossa atenção foi cativa por um segmento do Corpo de Cristo que tem sido chamado de Igreja sofredora.

Trata-se daqueles que, por serem cristãos, foram sequestrados e sobre eles nada se sabe. Dos encarcerados nas mais diversas formas (domiciliar, pública, social, emocional...), dos deslocados de suas terras e casas, dos preteridos de professarem abertamente a sua fé e ainda daqueles que sofrem pela exclusão social ou pela angustiante miséria. É chocante notarmos que 1 em cada 3 cristãos no mundo de hoje sofre algum tipo de perseguição, e cerca de 120 milhões habitam em regiões onde há perseguição hostil.
Não podemos fechar os olhos, nem o coração, para esta Igreja que vive e sofre.
O sofrimento não é novo na história do povo de Deus. Em Atos capítulo 8, a Igreja que amava a Jesus e se ajuntava em Jerusalém passou por uma de suas mais fortes provações. No primeiro verso deste capítulo Lucas nos diz que a Igreja era “perseguida”, utilizando aqui um vocábulo grego – “diogmos” - que significa um forte e visível ataque. Indicava que o sofrimento da Igreja nesta época de dispersão era perceptível por todos. Homens e mulheres eram mortos, outros encarcerados, famílias partidas ao meio e aqueles que conseguiam fugir deixavam para trás suas vidas e história. Esta “perseguição” era, portanto, um terrível sofrimento físico, visível e violento.
No segundo verso Lucas nos diz que a Igreja “pranteava” a morte de Estêvão. O autor, inspirado, escolhe a expressão grega “kopeton” que significa a “dor da alma”, ou “bater no peito” para expressar este pranto. Mostra que esta Igreja se melancolizava pelo caos ao seu redor e, assim, não havia apenas dor no corpo, mas também na alma. Esta Igreja chorava de forma visceral a morte de Estevão, e tantos outros, sofrendo tanto física quanto emocionalmente. 

No terceiro verso somos levados a ler que Saulo “assolava” o povo de Deus, utilizando-se aqui a expressão “elumaineto” que possui a mesma raiz da usada em João 10:10 ligada à destruição da fé e das convicções quando se refere àquele que veio roubar, matar e destruir. Trata-se de um sofrimento espiritual quando os alicerces das convicções mais profundas são atacados.
Estes três níveis de sofrimento descritos em contexto de perseguição em Atos 8 (físico, emocional e espiritual) podem muito bem ilustrar as vias de dor da Igreja ao longo de sua história, bem como nos dias de hoje. Deve nos ensinar que:
(1) seguir a Cristo – e mesmo fazê-lo com devoção e fidelidade – não isenta o crente do sofrimento;
(2) em meio a estes sofrimentos não estamos sós, pois maior é Aquele que está em nós;
(3) o sofrimento é uma oportunidade de se alicerçar a fé - daquele que é provado no dia mau – e de expressar amor e sincera solidariedade - por parte daquele que pode estender a mão.

A Coréia do Norte apresenta a mais intensa intolerância religiosa no mundo de hoje e por sete anos se destaca em primeiro lugar na Classificação de Países por Perseguição editada por Portas Abertas Internacional. Encontros cristãos são proibidos e somente realizados sob alto risco e custo. Há pouquíssimas bíblias no país e, assim, poucos cristãos com seu próprio exemplar da Palavra de Deus.
Há no momento cristãos encarcerados, e tantos outros seqüestrados, na Argélia, Azerbaijão, Eritréia, Iêmen e Indonésia, entre vários outros países. No Irã a Missão Voz dos Mártires notifica a forte intimidação sobre aqueles que professam sua fé em Jesus. A medida que a Igreja cresce, também cresce a perseguição. Na década de 90 muitos líderes cristãos foram assassinados.

A Eritréia passa pela época de mais intensa perseguição religiosa em sua história. A distribuição de Bíblias não é permitida e em 2002 todas as igrejas evangélicas foram fechadas por ordem governamental. Cerca de 2.000 cristãos foram presos por se reunirem para louvar a Deus. Muitos são mantidos em condições subumanas, celas subterrâneas ou contenners de metal.

No Egito um recente relatório sobre os direitos humanos apontou para a perseguição semi velada dirigida aos 80 milhões de cristãos coptas que não conseguem permissão para construir igrejas ou orar em casa. Há cerca de 4 ataques por mês contra os coptas no país, e 144 ataques já foram registrados em 2009.

No Iraque milhares de cristãos continuam a fugir da violência, tanto em Bagdá quanto em Mosul, deixando para trás suas casas a procura de refúgio no Curdistão e outras áreas de fronteira. Os cristãos no Iraque, que eram 1 milhão e 400 mil em 1987 não passam hoje de 500 mil. Estes cristãos deslocados enfrentam severa provação, pois se encontram em solo estranho sem emprego, carreira, dinheiro ou amigos.

No norte da Índia a perseguição contra cristãos deslocou um grande número de pessoas que ainda não puderam voltar para suas casas. Igrejas foram queimadas e há um sentimento de insegurança. Apenas na região de Karnataka foram registrados 56 ataques ao longo de 2009 contra igrejas e cristãos.
As restrições para se partilhar de Jesus atingem os mais diversos países e áreas. Transitam desde algumas reservas indígenas da Amazônia, passando pelo Norte da Nigéria até o distante Afeganistão.
Devemos orar e trabalhar para que:
1)      Cristãos ao redor do mundo recebam exemplares da Palavra de Deus;
2)      Os países e regiões onde há clara perseguição cristã possam experimentar abertura política, social e religiosa;
3)      Cristãos sob perseguição sejam encorajados, e aqueles sob intensos ataques sejam fortalecidos no Senhor;
4)      Sejam libertos os que, sob perseguição, foram encarcerados ou sequestrados;  
5)      Cristãos deslocados sejam apoiados para recomeçarem a vida em novas regiões;
6)      O testemunho dos perseguidos possa guiar muitos aos pés do Senhor Jesus;  
7)      A Igreja livre possa juntar-se em um só espírito àquela que sofre perseguição.
Em um país da Ásia central vi recentemente irmãos que amam a Jesus colocando suas vidas, famílias, carreiras e reputação em risco, alto risco, para testemunharem do amor do Pai. É necessário nos juntarmos a eles para chorar com os que choram e encorajá-los a seguirem este caminho estreito, que os leva à Alegria que se renova pela manhã.


Vamos  orar pelos perseguidos.
Em Cristo
Pr. Capelão Miss. Edmundo Mendes Silva

sábado, 15 de setembro de 2012

A Realidade das Tribos Indígenas Nordestinas


O Brasil possui 258 tribos indígenas, com uma população de aproximadamente 378 mil pessoas.
No Nordeste encontram-se 39 tribos, com 81 mil pessoas (21% do total Brasileiro). Destas:
·      15 tribos, infelizmente, já não falam mais sua própria língua.
·      18 têm trabalho missionário evangélico: 17 em andamento e 1 trabalho emancipado, ou seja, o povo foi alcançado!
É o povo Urubu-Kaapor, do Maranhão e Pará. Eles são cerca de 800 pessoas e já têm o NT em sua própria língua.
Outras 21 tribos não têm nenhuma iniciativa missionária evangélica. Destas:
·      5 têm situação indeterminada (precisam de mais estudos)
·      10 têm trabalho somente católico
·      6 não têm qualquer presença cristã

Veja os detalhes:

Tribos do Nordeste, Não-Alcançadas, sem presença missionária: (Nome, Estado, População)
1.      Jiripancó (AL/PE), 1.500
2.      Kantaruré (BA), 353
3.      Karapotó (AL), 796
4.      Kariri (CE/PE), ?
5.      Krejê (MA/PA), 30, tradução Bíblica necessária.
6.      Pankaru (BA), 84

Tribos Nordestinas Não-Alcançadas, mas com trabalho evangélico em andamento:
1.      Guajá ((MA/PA/TO), 300, tradução em andamento
2.      Guajajara (MA), 15.000, NT na língua
3.      Gavião (do MA), 466, tradução numa língua similar
4.      Fulniô (PE), 5.000
5.      Kaimbé (BA), 1.270
6.      Kapinawá (PE), 2.500
7.      Kariri-Xocó (AL), 2.500
8.      Kiriri (BA), 1.401, existem convertidos, mas sem missionários
9.      Krikati (MA), 620, tradução em andamento
10.  Pankararé (BA), 1.500
11.  Pankararu (AL/PE/MG), 5.000
12.  Pataxó (BA/MG), 7.000
13.  Potiguara (PB), 7.575
14.  Tapeba (CE), 2.491
15.  Tremembé (CE), 3.500
16.  Tuxá (BA/PE), 1.630
17.  Xukuru (PE), 6.363

Tribos Nordestinas Não Alcançadas, mas com presença Católica
1.      Kambiwá (PE), 1.578
2.      Paiaku (CE), 220
3.      Pataxó-Hãhãhãe (BA), 1.865
4.      Pitaguari (CE), 871
5.      Tingui-Botó (AL), 350
6.      Truká (BA/PE), 1.333
7.      Tupinikim (BA/ES), 1.386
8.      Wassu (AL), 1.447
9.      Xocó (AL/SE), 250
10.  Xukuru-Kariri (AL/BA/MG), 1.820

Tribos com Situação Indeterminada em relação à Evangelização
1.      Kalankó (AL/PE), 230
2.      Karuazu (AL/PE), ?, precisa de tradução Bíblica
3.      Pipipã (PE), ?
4.      Tumbalalá (BA), 900
5.      Tupinambá (BA/PA), 1.200

É importante compreender que, do ponto de vista missionário, na perspectiva bíblica, para que uma nação (etnia/povo) seja considerada alcançada pelo Evangelho, não basta haver presença missionária, nem mesmo alguns convertidos.
Para que um povo seja alcançado é necessário haver uma igreja autóctone (nativa, formada pelo próprio povo) madura, isto é, capaz por si mesma de evangelizar o seu próprio povo.
Em outras palavras, precisa haver uma “igreja”, e esta deve ser:
a) auto-governada,
b) auto-sustentada, e
c) auto-propagadora.
Temos muito que agradecer, honrar e aprender do trabalho missionário pioneiro daqueles que se dedicaram totalmente, sacrificialmente, na grande parte das vezes, solitariamente, para levar o Evangelho a estes povos. Que o Senhor lhes recompense e que possam se alegrar em ver os frutos de seu trabalho!
A triste realidade, que nos desafia a continuar a orar e trabalhar, é que depois de mais de 100 anos de presença evangélica no Brasil, SOMENTE UMA tribo indígena Nordestina pode ser considerada alcançada!
Onde estávamos, como igreja, durante todos estes anos? Para onde fomos? Que estradas percorremos que nos afastaram de levar o Evangelho a estes que são nossa gente, nosso sangue, nossa mais legítima raíz! Onde estão aqueles que foram enviados pelo Senhor? Ou pensamos que Ele não tem chamado ninguém para esta missão?
Onde estão as igrejas que enviarão novos missionários? Que os sustentarão em oração e com recursos? A resposta é óbvia: Estamos aqui, a poucos quilômetros destas tribos…
Como igreja nordestina, é tempo de nos levantarmos em direção a estas tribos. Em nossas igrejas estão os vocacionados que completarão esta tarefa. Sobre nossos ombros repousa a responsabilidade de ouvir a voz de nosso Pastor, obedecer a sua Palavra e honrar o exemplo de coragem e determinação daqueles que nos antecederam.
“Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue?”  Rm 10:14

“E dizia-lhes: Na verdade, a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos; rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. Lc  10:2

Que o Senhor Deus em Cristo possa nos motivar a realizar esta tarefa enviando e mantendo os missionários neste campo de trabalho

Em Cristo
Pr. Capelão Miss. Edmundo Mendes Silva

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Missão Da Igreja Aos Desafios Da Pós-Modernidade


A Pós-Modernidade Como a Face “Deste Presente Século”
(Rm 12. 1-2 “ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”).
Assim como Jesus, enviado pelo Pai e ungido pelo Espírito, encarnou-se na sociedade e cultura de seu tempo, também a Igreja deve se encarnar na sociedade e cultura de seu próprio tempo. A cultura de nosso tempo é a forma de vida chamada de “pós-modernidade”. Como a cultura no tempo de Jesus, ela oferece oportunidades e desafios para a missão da Igreja. Seguindo o exemplo de Jesus, a Igreja deve se encarnar de forma crítica na pós-modernidade. As duas características básicas da encarnação missionária são:
1.      O discernimento do Espírito (Cl 1.9-11 “Por esta razão, nós também, desde o dia em que ouvimos, não cessamos de orar por vós, e de pedir que sejais cheios do pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; para que possais andar de maneira digna do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus, corroborados com toda a fortaleza, segundo o poder da sua glória, para toda a perseverança e longanimidade com gozo”), a fim de podermos distinguir entre o pecado e a justiça, o certo e o errado, o bem e o mal, a verdade e o erro em nossa cultura e sociedade; e
2.      A compaixão (Mc 6.34 “E Jesus, ao desembarcar, viu uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas”), para podermos anunciar o Evangelho da salvação às pessoas que estão escravizados pelos poderes do pecado e da morte, e que caminham cegas, como ovelhas perdidas, sem pastor.

O Desafio Da Fidelidade
A Religiosidade Peregrina e Perambulante.
A forma predominante da religiosidade pós-moderna é a da peregrinação. A religião é vista pelas pessoas como um meio para conseguir resolver os problemas que a ciência, a técnica e a política não conseguem resolver. As necessidades de saúde física, saúde emocional, amor e companheirismo não são supridas adequadamente na sociedade pós-moderna. Por isso, as pessoas buscam religiões que satisfaçam essas necessidades. Entretanto, como somente Jesus Cristo pode satisfazer plenamente as necessidades humanas – e transformar o nosso ser interior – a pessoa sedenta busca resposta nas várias religiões que se apresentam no “mercado de bens simbólicos” – dá uma passeadinha pelo caminho de São Tiago, toma um chazinho do Santo Daime, vai pedir a bênção da Mãe Tereza, ou do Pai João, entrega um dinheirinho na Universal, pega uma águinha benta na Catedral ... A religiosidade pós-moderna não sabe o que é fidelidade, a não ser a fidelidade ao interesse próprio, que pode ser chamada de egoísmo. E até no meio evangélico já se começa a ver a penetração dessa perambulação pós-moderna, com os crentes assistindo a todos os programas de TV e rádio, ouvindo todos os CDs que consegue comprar, frequentando todas as reuniões de diferentes igrejas, etc. Onde houver uma oferta de bênção, aí também o crente estará. A fidelidade a Deus começa em casa. Para podermos dar testemunho aos peregrinos pós-modernos, precisamos aprender a fidelidade, seguindo o exemplo de Jesus!

A Pregação Do Deus Dinheiro e a Vida Sacrifical.
A outra face da religiosidade pós-moderna não tem “cara” de religião. Por isso mesmo, é muito mais perigosa, porque muitos não a reconhecem. A religiosidade pós-moderna tem como seu grande “deus” o dinheiro – seja na forma de Capital, seja na forma de lucro, seja na forma de desejo dele – que cobra uma séria e rigorosa disciplina sacrificial de vida. Para que as economias funcionem bem, os países exigem “sacrifícios” de seus cidadãos (desemprego, apertar os cintos, corte de gastos com saúde, educação, transporte, moradia; privatizações sem fim ...), e na expectativa de ter dinheiro para poder consumir, as pessoas se submetem ao estilo de vida sacrificial exigido pelo Mercado. Nesse estilo de vida sacrificial, a compaixão e a solidariedade não têm lugar. É cada um por si, e o “deus” dinheiro por todos. Só que o deus dinheiro e seu profeta, o mercado, são deuses rigorosos que não conhecem a compaixão. Não aceitam as pessoas que não conseguem competir e vencer. Eles as excluem – do acesso à saúde, à moradia, à vida, à dignidade, e exigem total fidelidade – mesmo excluídos, têm de aceitar a sua condição e reconhecer o seu “pecado capital”. Quem não consegue “vencer” é sacrificado no altar do lucro, da produtividade e da qualidade total. Lembremo-nos do que ensinava Jesus: “ninguém pode servir a dois senhores ...” (Mt 6,24)

A Fidelidade Ao Verdadeiro Deus e a Seu Povo.
O primeiro grande desafio missionário da pós-modernidade é o da fidelidade ao Deus verdadeiro. Só pode fazer missão o povo que anda na presença de Deus e procura fazer a sua vontade. Nas palavras de Jesus, “buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33). Somente quando o povo de Deus se submete ao reinado de Deus e tem a Sua justiça como critério de vida e missão, é que pode fazer frente ao caráter peregrino e sacrificial da religiosidade pós-moderna. Neste tempo em que as informações voam distâncias e tempo através dos satélites e televisões, rádios, Internet, etc. Neste tempo em que temos um volume de informações imenso, mas pouco sabemos realmente de importante, é fundamental a fidelidade ao verdadeiro Deus. Doutra forma, nossa mensagem cairá no vazio do excesso de informações. As pessoas só crerão no Deus verdadeiro se virem a Sua verdade amorosa, justa e compassiva em ação na vida dos filhos e filhas de Deus. Como diz uma canção brasileira a respeito do culto: “E ao sairmos daqui, que poderemos fazer?”.

Deixar Que o Mundo Veja Em Nós a Cristo e o Seu Poder.
Para fazer missão na pós-modernidade, é preciso que nossa vida seja missionária, que nosso comportamento seja semelhante ao de Jesus Cristo, que recusou todas as tentações satânicas, todas as tentações de dinheiro, prestígio, consumo e poder, e foi fiel ao envio do Pai, e submisso à direção do Espírito Santo. Como Jesus, precisamos conhecer a Palavra de Deus para vencer as tentações (Mt 4.1-11 ).


O Desafio Do Discernimento
A Vida Não Refletida, Apenas Sentida.
Uma das características fundamentais da chamada pós-modernidade é o abandono da reflexão crítica racional. Reconhecendo a incapacidade da razão resolver todos os problemas humanos, as pessoas que aderem ao novo modo de ser pós-moderno preferem levar a vida a partir dos sentimentos e desejos, e não da reflexão, ou, em linguagem bíblica, do discernimento. Sentir é mais importante do que saber, e sentir-se bem é o que realmente importa para o indivíduo pós-moderno. Essa ausência de reflexão é consequência da negação das utopias (propostas de transformação social e econômica) e da afirmação do “fim da história” (a crença de que o estágio atual do capitalismo neo-liberal é a forma mais completa da evolução humana). Se nada há adiante de nós, se já alcançamos a forma mais evoluída possível de organização social, econômica e política, para que refletir criticamente sobre a realidade? Basta viver, e curtir a vida. Basta sentir e deixar-se levar pelos sentimentos. Para que pensar, se os governantes irão fazer o que for necessário para a vida melhorar? Para que pensar, se o mercado “livre” é capaz de organizar a atividade das pessoas, distribuir oportunidades e castigos? Vamos aproveitar a vida! Ou, nas palavras de um antigo filósofo, “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”! Precisamos de uma renovação de nossa vida litúrgica, que está cedendo ao irracionalismo pós-moderno. Como consequência do irracionalismo, na vida da igreja, nossos cultos têm cada vez menos conteúdo e cada vez mais emoção. Cada vez menos Palavra de Deus, e cada vez mais desejos e sonhos humanos. Cada vez procuramos menos agradar a Deus, e mais a nós mesmos – afinal, “o culto não é para a gente se sentir bem?” Liturgias irracionais não ajudam a Igreja a enfrentar a pós-modernidade. A rejeição da razão não é a solução para os males da racionalidade moderna, voltada inteiramente para a técnica e a eficácia. Ao invés de vivermos levados pelos sentimentos, precisamos de uma racionalidade ampla, humana, plena. Precisamos de uma “razão comunicativa”, que, ao invés de se centrar na técnica e eficácia, tenha seu eixo na relação pessoal e social com o “outro” (próximo, na linguagem bíblica). Como cristãos, em particular, precisamos de uma inteligência crítica, que nos torne capazes de “... e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” 1 Pd 3.15.

A Vida Sem Integridade, Apenas Com Interesses E Desejos.
Uma vida vivida em função dos sentimentos, além de negar a capacidade humana de crítica e pensamentos construtivo, também nos torna fáceis presas de nossos interesses e desejos pecaminosos.  Vários são os sintomas da crise da razão e do reinado do sentimentalismo. Por exemplo: a desestruturação da vida familiar, em função de uma visão meramente romântica do amor, mediante a qual “João ama Maria, que gosta de José, que ama Antônia, que prefere Pedro, mas está triste porque ele ama José...”. Outra causa da desestruturação familiar é o afastamento cada vez maior entre pais e filhos, a falta de comunicação eficaz entre as gerações dentro de casa, a tentativa de cada lado impor a sua vontade e seus desejos. Além da desestruturação da vida familiar, outro exemplo da crise da razão é o abandono da integridade como padrão ético de comportamento. Tudo vale para a realização dos desejos pessoais – uma mentirinha, um jeitinho, uma fezinha... A palavra não precisa ser cumprida, os compromissos não são levados a sério, os relacionamentos pessoais servem apenas enquanto se “leva vantagem”; entre os adolescentes e jovens a moda é “ficar”, pois quem “fica” não se compromete com a outra pessoa. Não há integridade nos negócios, nas relações pessoais, na política, no exercício do poder público. Neste sentido, a pós-modernidade não é tão “pós” assim, pois a falta de integridade é uma característica da pecaminosidade humana. Todavia, em nossos dias, como nos tempos de Paulo, a ausência de integridade tem se tornado o ponto mais crítico da ética individual e social (cp. Rm1,28-33). O mais preocupante, porém, é a penetração da falta de integridade nos meios evangélicos! Líderes internacionais de missões e pastoral, como Frank Dietz e Warren Wiersbe têm escrito livros defendendo a necessidade da volta da integridade à vida cristã, particularmente entre os líderes do povo de Deus. Como poderá Deus nos escutar se não vivemos de forma íntegra a Sua vontade? (cf. Amós 5,21a-24 “Aborreço, desprezo as vossas festas, e não me deleito nas vossas assembléias solenes. Ainda que me ofereçais holocaustos, juntamente com as vossas ofertas de cereais, não me agradarei deles; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como o ribeiro perene”). Como anunciar o Deus da justiça sem integridade? Como crerão se não virem em nós a verdade de Deus em ação?

 A Vida Cheia Do Espírito Santo, Refletindo E Crescendo No Saber De Deus
Contra o irracionalismo da pós-modernidade, a resposta bíblica é a vida cheia do Espírito Santo. Em sua exortação aos efésios, Paulo disse: “Sede verdadeiramente atentos a vosso modo de viver: não vos mostreis insensatos (sem juízo, sem razão), sede, antes, pessoas sensatas, que põem a render o tempo presente, pois os dias são maus. Não sejais portanto sem juízo, mas compreendei bem qual é a vontade do Senhor ... sede cheios do Espírito Santo” (Ef 5,15-18). A exortação paulina é muito apropriada para os nossos dias. Precisamos de uma renovação da vida intelectual da Igreja. Precisamos de que o povo de Deus assuma a sua função de teólogos e teólogas! Pois é isso que Paulo está pedindo de nós. Estar atentos a nosso modo de viver, sermos sensatos, significa refletirmos sobre a nossa realidade à luz da Palavra de Deus, movidos pelo Espírito. E a teologia é exatamente isso! 
Na modernidade, a teologia era rejeitada em troca da “prática”, na pós-modernidade ela é rejeitada em troca da “beleza”. Mas nós precisamos urgentemente dela. De uma teologia prática, bela, racional e cheia do Espírito Santo. Precisamos de uma teologia baseada no discernimento do Espírito, que nos faça andar de modo digno do Senhor, que nos faça crescer no conhecimento de Deus, que nos faça transbordar em boas obras missionárias (cf. Cl 1,9-11). Nossas igrejas precisam redescobrir o valor da reflexão séria e profunda sobre a vida baseada na Palavra de Deus. Precisamos de pastores que devolvam ao púlpito o seu vigor teológico, precisamos de mestres que devolvam à educação cristã seu vigor pedagógico e reflexivo. Precisamos de renovação de nossa vida eclesial, de nossos programas e encontros, de forma que a reflexão ocupe um lugar tão importante quanto à comunhão, a oração e a adoração a Deus. A renovação da vida dos “leigos” é fundamental para que a Igreja possa realizar sua missão no mundo pós-moderno. O primeiro grande desafio para o laicato pós-moderno é a vida de discernimento. Precisamos de um povo cheio do Espírito Santo, capaz de refletir sobre a vida sensatamente, capaz de interpretar a Bíblia fielmente, capaz de anunciar a Palavra inteligentemente!

O Desafio Da Compaixão
Vivendo Em Uma Sociedade e Economia Sem Compaixão
A sociedade capitalista neo-liberal pós-moderna é perversa e sem compaixão. Nela só há lugar para as pessoas capazes e competentes, que conseguem cumprir todas as exigências do mercado de trabalho e de consumo. Cada vez mais as empresas exigem maior qualidade para seus trabalhadores, e cada vez mais as maquinas substituem as pessoas no desempenho de funções e realizações de serviços – e com isso aumenta o desempenho, a economia informal e a marginalidade. Todavia, o capital neo-liberal afirma que esse é o único caminho para a prosperidade de nações! Decretando o “fim da historia o capitalismo neo-liberal tomou o lugar do marxismo com a religião messiânica sem Deus. Nas pertinentes palavras de um teólogo brasileiro, “não nos esquecemos que o sistema de mercado, para conseguir totalizar-se como ‘único caminho’ para o bem comum...exigia ser considerado com societas perfecta (sociedade perfeita) e ‘única religião verdadeira’, fora da qual não há salvação para ninguém, ainda que a condenação lhes tocasse a muitos. Para tanto era necessário um deus absconditus (deus oculto) de uma infinitude realmente ‘perversa’, quer dizer, que virasse tudo ao revés (per-verter) e direcionasse tudo em uma mesma direção: a auto valorização sem limite, do capital. Já não se trata, obviamente, da simples acumulação de dinheiro e riquezas. Estamos diante de um deus infinitamente insaciável, para o qual todos os sacrifícios serão insuficientes.” (Hugo Assmann, Clamor do Pobres e ‘Racionalidade’ Econômica , pp. 44s.) A sociedade pós-moderna, dominada pelo “deus Capital” gera um sistema social de exclusão, mediante o qual um número cada vez maior de pessoas é excluído do mercado de trabalho, da educação, da saúde, da dignidade, da própria vida! As pessoas excluídas são os “bodes expiatórios” dos pecados da ineficiência econômica e da falta de competitividade produtiva. Em primeiro lugar o bem-estar da economia, depois, cuidemos das pessoas. A chamada “globalização” da economia traz consigo uma perversa globalização da miséria e do sofrimento humano. Só tem valor àquilo que dá lucro, aquilo que aumenta a produtividade e a qualidade, aquilo que é “total”. Nessa sociedade “qualidade total” pouco lugar há para os seres humanos, que são parciais, incompletos, pecadores. Recusados, ou elogiados, pelo “deus escondido”, as pessoas cada vez mais se refugiam nas drogas, Na violência, nas religiões sem compromisso, sexo sem amor, no individualismo, no consumismo; ou simplesmente caem para o submundo da miséria , da fome da marginalidade. É a todas essas pessoas que iremos pregar o Evangelho, pessoas sacrificadas ao altar do Capital, submissas ao mando do seu profeta, o Mercado. Pessoas sem compaixão, porque acreditam que a competitividade é o melhor meio de eliminar a pobreza e o sofrimento humano. Pessoas sem compaixão, porque são vítimas sacrificiais de uma economia perversa, e se tornaram brutalizadas pelo sofrimento. Neste contexto, o segundo grande desafio para a Igreja é a vida de compaixão!

Compaixão e Solidariedade Na Proclamação Do Evangelho
Precisamos de compaixão e solidariedade para proclamar o Evangelho! Ao olhar para as pessoas e para as multidões de seus dias, Jesus as via como “ovelhas sem pastor” e demonstrava-lhes compaixão. A compaixão (solidariedade) era o motor de suas ações a favor das pessoas (v. Mt 9.36; 14,14; 15,32; 20,34; Mc 6,34; 8,2; Lc 7,13, etc.). Jesus demonstrava, através de seus atos, a compaixão de Deus pelos seus filhos e filhas escravizados ao pecado; demonstrava a solidariedade do Deus encarnado para com a humanidade pecadora (cf. Hb 2,14-17; 4,15-16). Para pregar o Evangelho não posso ver o “outro” como adversário – a batalha espiritual não pode gerar inimigos, mas, sim, pessoas reconciliadas com Deus e, consequentemente conosco e com elas mesmas geramos, com a pregação do Evangelho, amigos e amigas de Jesus Cristo (15,14-15).  Para pregarmos o Evangelho precisamos resistir à tendência desumanizadora e brutalizante de nossa sociedade pós-moderna; precisamos resistir à tentação de vivermos apenas em função de nós mesmos e de nossos interesses e desejos. Precisamos de solidariedade, compaixão: sentir osofrimento do outro, como o nosso próprio sofrimento. Participar na libertação do outro, como se a nossa própria libertação disso dependesse. E somos amigos e amigas de Cristo, fazemos o que Ele manda. E o que Ele manda? “Eu vos escolhi para irdes produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça ... O que eu vos ordeno é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15,16-17). A Igreja existe para anunciar o Evangelho – essa é a grande comissão de Jesus (Mt 28,18-20 e paralelos), e esse é o poder do Espírito (At 1,8) – e se ela não o faz, deixa de ser povo de Deus, e se identifica com o mundo; torna-se sal sem sabor, não prestando para nada. O maior adversário da proclamação do Evangelho na pós-modernidade não é Satanás, mas a falta de compaixão, a falta de solidariedade para com os pecadores, a falta de amor uns para com os outros. O problema da evangelização não está nas técnicas, nos projetos, nas estratégias, nos recursos financeiros. Há muitas formas diferentes de se evangelizar e fazer missões. O problema é que nãotemos recursos humanos. Não temos crentes dispostos a viver compassiva e solidariamente, fazendo da pregação do Evangelho uma parte natural de seu dia-a-dia. Deus chama a Seu povo, nestes dias do mundo pós-moderno, para viver em compaixão e solidariedade para com os pecadores e pecadoras de nosso tempo. Sejamos solidários com os pobres e excluídos que clamam por socorro. A partir dessa solidariedade, tenhamos compaixão de todas as pessoas.  Anunciemos, com toda força de nossos pulmões, o Evangelho de Jesus Cristo, a boa notícia de que Deus reina e pode mudar a vida das pessoas e das nações!

Compaixão e Solidariedade Na Diaconia Cristã 
Assim como Jesus fez acompanhar sua pregação de sinais visíveis do amor de Deus pelos pecadores, também a Igreja compassiva, na pós-modernidade, fará sua pregação da salvação ser acompanhada dos sinais do Reino. Quem ama, é compassivo e solidário com a pessoa toda, não faz divisão entre “alma” e “corpo”, pregando para salvar “a alma” e deixar o “corpo” morrer. Jesus cuidava das doenças do corpo, das doenças espirituais, dos problemas econômicos e sociais. Paulo, o evangelista aos gentios, recebeu a recomendação de “nos lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,10). A diaconia cristã é a expressão concreta da compaixão evangelizadora da Igreja. A diaconia é o meio pelo qual a Igreja pratica as boas-obras para as quais cada cristão foi chamado por Deus (Ef 2,10). Na pós-modernidade, precisamos discernir quais são as boas-obras mais urgentes, ou quais as formas mais importantes de ação diaconal.
*      No âmbito da economia, por exemplo, a esmola já perdeu a sua eficácia (que tinha em períodos muito antigos na história econômica da humanidade). O socorro econômico através da esmola é insuficiente para livrar os pobres da miséria. É preciso ações mais eficazes. Por exemplo: projetos sociais de capacitação profissional, projetos sociais de desenvolvimento comunitário; movimentos sociais de luta contra o desemprego, contra a fome; movimentos políticos pela adoção de mecanismos de defesa econômica dos cidadãos, garantidos pelo Estado – por exemplo: renda mínima, salário educação, etc. 
*      No âmbito da saúde é preciso também atuar através de projetos de desenvolvimentos (ambulatórios, clínicas voluntárias, etc.), e de movimentos sociais e políticos (campanhas contra certos tipos de câncer, instituições especializadas no atendimento a certos tipos de doenças e deficiências, etc.; movimentos políticos que visem forçar o Estado a cumprir as metas de saúde pública mínimas para garantir a dignidade dos cidadãos).
*      No âmbito da cultura, é preciso que as Igrejas atuem no despertamento de formas criativas de ação cultural – seja na música, no teatro, nas artes plásticas, na literatura, etc. É importante atuar em movimentos que visem o controle, pela sociedade, dos bens culturais produzidos e difundidos pelos meios de comunicação de massa (TV, rádio, cinema, etc.). Em uma palavra, é preciso que a Igreja atue de forma a contribuir para que a cidadania seja uma verdade prática, e não apenas um direito constitucional. Para que a mensagem do Reino pregada pela Igreja seja entendida, é necessário que a Igreja demonstre os sinais do Reino através de sua vida e da vida de seus membros. Na pós-modernidade, em que a pessoa só é vista como consumidora, ou como produtora de bens, precisamos ajudar a resgatar a condição cidadã das pessoas, com todas as implicações sociais, econômicas e políticas da cidadania. Como cidadãos do Reino de Deus, somos chamados a lutar para sermos cidadãos de um país justo e livre e para demonstrar solidariedade plena para com os não-cidadãos! Para isso o Espírito que ungiu Jesus, também pode nos ungir (cf. Lc 4,18-21; 7,18-23).

Conclusão
A pós-modernidade apresenta à Igreja problemas e oportunidades imensas. Para superar os problemas e aproveitar as oportunidades, precisamos do discernimento do Espírito e da compaixão de Jesus. Por isso, o primeiro desafio da missão da Igreja na pós-modernidade é a qualificação da Igreja como povo de pessoas cheias do Espírito Santo, que sabem discernir e ser solidárias. Como povo de ministros e ministras de Deus, discernindo a vontade de Deus e sendo solidários com os pecadores, atuaremos no mundo como testemunhas de Jesus Cristo. Nossa pregação e nossas obras demonstrarão verdade e o caminho do Reino de Deus, e farão com que as pessoas desejem servir a Cristo e não a Mamon.

Um abraço em Cristo
Pr. Miss. Edmundo Mendes Silva